Em discurso na sessão temática ’10 anos do Acordo de Paris: Contribuições Nacionalmente Determinadas e Financiamento’, em Belém, presidente afirma que taxação dos super-ricos e troca de dívidas nacionais por ações ambientais são instrumentos para reverter crise histórica, que repete a lógica da exploração
No final da tarde desta sexta-feira (7/11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou na sessão temática ’10 anos do Acordo de Paris: Contribuições Nacionalmente Determinadas e Financiamento’, realizada em Belém (PA).
Logo na abertura, o presidente recorreu a outro brasileiro famoso por sua luta contra a fome e a exploração econômica, Josué de Castro, para acentuar a longa trajetória de injustiças sociais praticadas internacionalmente, inclusive por parte de países e blocos uns sobre os outros, para dar forte conotação política a seu próprio discurso.
“Na primeira Conferência do Meio Ambiente em Estocolmo, em 1972, o geógrafo brasileiro Josué de Castro enfatizou a diferença entre crescer e se desenvolver. Ele disse que crescer é fácil, mas se desenvolver equilibradamente é um objetivo tão difícil que nenhum país do mundo teria sido capaz de atingi-lo”, afirmou Lula.
Seguindo essa lógica, Lula construiu uma argumentação que associa diretamente a exploração econômica de povos sobre outros à raiz da crise climática que assola o mundo.
Tanto quanto os efeitos sociais da longa trajetória de exploração, a crise climática, segundo Lula, só pode ser superada com distribuição de renda e responsabilização dos mais ricos que não contribuem com os projetos indispensáveis ao conjunto da humanidade.
É viável trabalhar por uma transição justa, em que o Sul Global tenha as oportunidades que lhe foram negadas no passado. Podemos avançar rumo ao futuro sem abrir mão de reivindicar daqueles que mais se beneficiaram historicamente das emissões que façam jus a suas responsabilidades”, disse Lula
“Estão na América Latina, na Ásia e na África as regiões que correm o risco de se tornarem inabitáveis. Estão no Caribe e no Pacífico as ilhas que podem desaparecer”, prosseguiu.
Omitir-se é sentenciar novamente aqueles que já são os condenados da Terra”, sentenciou o presidente brasileiro.
Lula cobrou, como já fizera em outros espaços multilaterais nos últimos anos, que é necessário reverter essa lógica com uma contribuição financeira maior por parte dos grandes poluidores e instrumentos como a troca de dívidas por ações climáticas, pois não é justo que os países mais prejudicados, social e ambientalmente, arquem com esse tipo de custo financeiro.
A maioria dos recursos ainda é oferecida sob a forma de empréstimos. Não faz sentido, ético ou prático, demandar a países em desenvolvimento que paguem juros para combater o aquecimento global e fazer frente a seus efeitos. Isso representa um financiamento reverso, fluindo do Sul para o Norte Global”, afirmou.
“Instrumentos de troca de dívida por ação climática já se provaram viáveis. O enfrentamento da mudança do clima deve ser visto como um investimento, não como um gasto”, disse ainda Lula.
O presidente brasileiro lembrou que há responsabilidades também por parte de entes privados, na questão climática contemporânea. E que isso deve ser colocado sobre a mesa.
“As exigências crescentes de adaptação vão requerer esforço ainda maior de financiamento. Sem incluir o capital privado, a conta não fechará. A maior parte da riqueza mundial gerada nas últimas quatro décadas foi apropriada por indivíduos ou empresas. Ao mesmo tempo, os orçamentos nacionais encolheram”, disse.
E arrematou o ponto:
Um indivíduo pertencente ao 0,1% mais rico do planeta emite, em um único dia, mais carbono do que os 50% mais pobres da população mundial durante um ano inteiro. É legítimo exigir dessas pessoas uma maior contribuição”.
Leia o discurso:
“Na primeira Conferência do Meio Ambiente em Estocolmo, em 1972, o geógrafo brasileiro Josué de Castro enfatizou a diferença entre crescer e se desenvolver.
Ele disse que crescer é fácil, mas se desenvolver equilibradamente é um objetivo tão difícil que nenhum país do mundo teria sido capaz de atingi-lo.
As Contribuições Nacionalmente Determinadas são o caminho para concretizar o ideal do desenvolvimento sustentável.
Segundo a Agência Internacional de Energia, no ano passado, o crescimento das emissões foi inferior ao do PIB global.
Isso mostra que é possível pensar em um novo modelo de economia sem sacrificar a geração de riqueza.
É viável trabalhar por uma transição justa, em que o Sul Global tenha as oportunidades que lhe foram negadas no passado.
Podemos avançar rumo ao futuro sem abrir mão de reivindicar daqueles que mais se beneficiaram historicamente das emissões que façam jus a suas responsabilidades.
Estão na América Latina, na Ásia e na África as regiões que correm o risco de se tornarem inabitáveis.
Estão no Caribe e no Pacífico as ilhas que podem desaparecer.
Omitir-se é sentenciar novamente aqueles que já são os condenados da Terra.
Fazer da COP 30 a COP da verdade implica reconhecer a ciência e os inegáveis progressos.
Significa, entretanto, admitir uma verdade desagradável: o mundo ainda está distante de atingir o objetivo do Acordo de Paris.
O Acordo se baseia no entendimento de que cada país fará o melhor que estiver a seu alcance para evitar um aquecimento de mais de um grau e meio.
O que nos cabe perguntar hoje é: estamos realmente fazendo o melhor possível?
A resposta é: ainda não.
Cem países, representando quase 73% das emissões globais, apresentaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas.
Em sua maioria, as novas NDCs avançaram ao abranger todos os setores econômicos e todos os gases do efeito estufa.
Mas o planeta ainda caminha para um aquecimento de cerca de dois graus e meio.
No que depender do Brasil, Belém será o lugar onde renovaremos nosso compromisso com o Acordo de Paris.
Isso significa não apenas implementar o que já foi acordado, mas também adotar medidas adicionais capazes de preencher a lacuna entre a retórica e a realidade.
Sem meios de implementação adequados, exigir ambição dos países em desenvolvimento é injusto e irrealista.
O Mapa do Caminho Baku-Belém mostra que, com vontade política, temos alternativas para chegar à meta de um trilhão e trezentos bilhões de dólares por ano.
Hoje só uma pequena parcela do financiamento climático chega ao mundo em desenvolvimento.
A maioria dos recursos ainda é oferecida sob a forma de empréstimos.
Não faz sentido, ético ou prático, demandar a países em desenvolvimento que paguem juros para combater o aquecimento global e fazer frente a seus efeitos.
Isso representa um financiamento reverso, fluindo do Sul para o Norte Global.
Instrumentos de troca de dívida por ação climática já se provaram viáveis.
O enfrentamento da mudança do clima deve ser visto como um investimento, não como um gasto.
As exigências crescentes de adaptação vão requerer esforço ainda maior de financiamento.
Sem incluir o capital privado, a conta não fechará.
A maior parte da riqueza mundial gerada nas últimas quatro décadas foi apropriada por indivíduos ou empresas.
Ao mesmo tempo, os orçamentos nacionais encolheram.
Um indivíduo pertencente ao 0,1% mais rico do planeta emite, em um único dia, mais carbono do que os 50% mais pobres da população mundial durante um ano inteiro.
É legítimo exigir dessas pessoas uma maior contribuição.
O imposto mínimo sobre corporações multinacionais e a tributação do patrimônio de super-ricos podem gerar recursos valiosos para a ação climática.
Os mercados de carbono também podem se tornar importantes fontes de receita pública, mas só ganharão escala se os países caminharem na direção de parâmetros comuns.
É esse o objetivo da Coalizão Aberta de Mercados Regulados de Carbono lançado pelo Brasil, pela China e pela União Europeia.
Ainda há tarefas pendentes a serem concluídas pela ação multilateral.
É crucial definir metodologias melhores para contabilizar o financiamento climático.
O comércio internacional requer regras ambientais que sejam equitativas e decididas coletivamente.
Os bancos multilaterais precisam ser maiores, melhores e mais eficazes.
A proposta de criação de um Conselho do Clima, que já tive a oportunidade de apresentar ao G20 e à Assembleia Geral da ONU, é uma forma de dar ao desafio da implementação a estatura política que ele merece.
Faço um chamado a todos vocês.
Não existe solução para o planeta fora do multilateralismo.
A Terra é única. A humanidade é uma só. A resposta tem de vir de todos, para todos.
Em vez de abandonar as esperanças, podemos construir juntos uma nova era de prosperidade e igualdade.
Muito obrigado.”