O Brasil detém a segunda maior reserva global de terras raras, conjunto de 17 elementos essenciais para a transição energética e a indústria de alta tecnologia. No entanto, para transformar essa vantagem geológica em desenvolvimento econômico e soberania tecnológica, o país precisa superar desafios como falta de política pública específica, maiores investimentos e mecanismos que garantam o acesso das instituições nacionais pesquisa às amostras desses minérios. A avaliação é do professor Sérgio Michielon, coordenador do recém-criado INCT Matéria (Materiais Avançados à base de Terras Raras: Inovações e Aplicações).
“Os materiais de terras raras representam apenas 1% do valor total de um celular. Pode parecer pouco, mas sem esse 1% não existiria o aparelho. Isso significa que as terras raras não estão no centro do debate por seu potencial financeiro, mas sim pelo seu valor estratégico”, afirma.
Professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Michielon coordena o INCT MATERIA, rede que agrega pesquisadores vinculados a 15 instituições nacionais que buscam impulsionar o desenvolvimento de materiais à base de terras raras. A iniciativa cobre toda a cadeia produtiva, desde a extração e beneficiamento até a aplicação em produtos de alto impacto e reciclagem.
Desafios e oportunidades
De acordo com o especialista, o Brasil reúne os principais requisitos para se tornar protagonista global no mercado de terras raras. Além de contar com a segunda maior jazida do planeta, atrás apenas da China, reúne instituições de pesquisa e especialistas de grande destaque no tema. “O Brasil tem a matéria-prima e o conhecimento, mas ainda faltam investimentos e a criação de uma política pública específica. Precisamos criar o ecossistema para transformar nosso potencial em riqueza e inovação”, diz.
Um dos entraves citados pelo professor é a dificuldade de acesso das universidades e centros de pesquisa nacionais aos minérios. De acordo com ele, muitas das mineradoras produzem rejeitos ricos em terras raras. Porém, quando os pesquisadores brasileiros as procuram para adquirir amostras desses materiais, não conseguem acesso. “Isso é algo que teria de ser resolvido no âmbito da legislação”, explica.
Formar pessoas e reter talentos
Outro desafio citado pelo professor diz respeito à formação de mão de obra especializada. Nesse sentido, o INCT Matéria conta com a participação de duas instituições de ensino técnico. “É algo importante por ajudar a inspirar as novas gerações a se interessarem por esse tema, que é o que garante sustentabilidade ao longo das décadas.”
Contudo, Michielon ressalta que apenas formar novos especialistas não basta. É preciso investir também no fortalecimento da cadeia industrial para criar postos capazes de reter essa força de trabalho dentro do país e gerar riqueza.
“Hoje, o país investe alto na formação do profissional, mas ele vai para o exterior por não encontrar mercado no Brasil. Ou seja, a empresa estrangeira recebe de graça um profissional altamente qualificado custeado por nós. Precisamos criar condições que permitam a essas pessoas construir sua carreira aqui”, aponta.
Uma das ações que busca transformar esse cenário é a criação do Centro de Inovação e Tecnologia para Imãs de Terras Raras (CIT Senai ITR), em Lagoa Santa (MG), um laboratório-fábrica voltado ao desenvolvimento de imãs de alto desempenho.
O projeto é fruto de uma parceria entre Senai, Fiemg (Federação das Indústria do Estado de Minas Gerais) e MagBras, consórcio formado por 28 empresas, 7 institutos de pesquisas e 3 fundações. “A iniciativa mostra a sinergia necessária entre academia e indústria para fomentar o desenvolvimento da cadeia produtiva nacional para a fabricação de imãs permanentes de terras raras”, resume.
Três frentes de atuação
O INCT Matéria tem por objetivo unir esforços para formar pessoas, captar recursos e desenvolver estudos no âmbito das terras raras. Com duração prevista de cinco anos, o projeto é estruturado em três eixos principais.
O primeiro é voltado à produção nacional de imãs de neodímio-ferro-boro, os mais avançados do mercado. Eles são essenciais para a miniaturização de dispositivos e estão presentes em carros elétricos, turbinas eólicas e discos rígidos de computadores.
Já a segunda frente é voltada à investigação de novas propriedades e aplicações para os diferentes elementos de terras raras, enquanto a terceira aposta no desenvolvimento de rotas metalúrgicas para o beneficiamento de minérios e concentração de substâncias, com forte componente de sustentabilidade.
“Um dos nossos focos está na chamada mineração urbana. Em vez de buscar jazidas na natureza, vamos focar na reciclagem de imãs em final de vida. O objetivo é garantir que os recursos minerais de produtos como carros elétricos não sejam desperdiçados no futuro”, revela Michielon.
As 15 instituições que integram o INCT Matéria são:
- Universidade Federal do Amazonas – UFAM, AM
- Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT, SP
- Centro de Tecnologia Mineral – CETEM, RJ
- Universidade Federal do ABC – UFABC, SP
- Universidade de São Paulo – USP, SP
- Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, SC
- Universidade Federal de Catalão – UFCAT, GO
- Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear – CDTN/CNEN, MG
- Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, ES
- Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM, AM
- FACULDADE SENAI DE SÃO PAULO – SENAI, SP
- Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, PA
- Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, MG
- Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM/DF, DF
- Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN/CNEN, SP
Por Agência Nacional de Mineração